"Estes 13 juízes não são ajuizados"

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Os 13 juízes do Tribunal Constitucional não são ajuizados; querem preservar a sociedade sem classes e a economia nacionalizada prescritas pela Constituição aprovada em 1976; têm uma visão demasiado legalista da sua função; deviam dar mais importância ao memorando assinado com a troika que à lei fundamental. Proferidas por Jorge Braga de Macedo, ex ministro das Finanças de Cavaco Silva (1991/1993) e desde 2004 presidente do Instituto de investigação Científica Tropical (tutelado pelo ministério dos Negócios Estrangeiros) numa conferência na Universidade do Texas, EUA, estas afirmações suscitaram polémica. O DN pediu ao seu autor que as explicasse.

A maioria das decisões do TC sobre medidas austeritárias surgem na sequência de pedidos de declaração de inconstitucionalidade feitos pelo Presidente da República, e em alguns casos (em relação à Contribuição Extraordinária de Solidariedade, por exemplo), contrariam esses pedidos do PR. É pois lícito concluir que considera que o PR suplanta os juízes no anacronismo e na falta de sapiência e juízo que lhes atribui quando afirma 'estes 13 juízes não são homens ajuizados (wise), porque também há mulheres e também talvez por outras razões'?

Alguma coisa se terá perdido na tradução porque o que a pergunta me atribui não faz sentido relativamente a um órgão de soberania unipessoal.

Afirma que a Constituição foi votada (aprovada) em 1976, como se não tivessem existido sete revisões desde então. Considera que as revisões nada mudaram e não têm qualquer relevância?

Tenho escrito vários trabalhos sobre escolha pública, disponíveis em www.jbmacedo.com, à volta do que chamo "a ilógica do sistema constitucional português" (1982) e "a má constituição fiscal" (2003), salientando ainda o atraso singular da "mãe de todas as revisões constitucionais" em 1989. Entendo porém que as revisões não alteraram a ilógica fundamental de juntar a regra do voto maioritário com um programa de transformação social.

Diz que 'o que [os juízes] estão a tentar preservar é a Constituição que foi aprovada em 1976 e que levou a uma nacionalização generalizada da economia e a uma sociedade sem classes - isto ainda está no preâmbulo da constituição. E é o que o TC considera que deve fazer." Ou seja, os juízes do TC estão a tentar preservar a nacionalização generalizada da economia e a sociedade sem classes. A economia portuguesa está generalizadamente nacionalizada e existe em Portugal uma sociedade sem classes? Se não, qual foi o objectivo da afirmação?

Julgo que alguma coisa se terá perdido na tradução porque o que a pergunta me atribui não faz sentido, mas referi a sociedade sem classes e a nacionalização irreversível para ilustrar a contradição mencionada na resposta anterior. Queria salientar a ambiguidade da liberalização financeira levada a cabo nos anteriores programas de ajustamento com o FMI e a "pesada herança" que se mantém para empresas e famílias beneficiarem da abertura da economia ao exterior num regime de câmbios fixos, temas sobre os quais tenho escrito e que citei nas referências da comunicação.

Daquilo que disse no Texas parece resultar que por um lado considera o Tribunal Constitucional como o maior risco para o sucesso do ajustamento português, por outro considera que esse risco reside na Constituição. Qual a interpretação correta?

Embora a minha comunicação, que foi enviada antecipadamente, se referisse ao "ajustamento assistido português", e tivesse como subtítulo a pergunta "morrer na praia?" o meu propósito era enquadrar a crise da zona euro nos desequilíbrios das balanças de pagamentos e nos seus efeitos de transferência mundial da riqueza. Assim a principal característica do ajustamento português foi por cobro ao endividamento frente ao exterior que cresceu de forma galopante ao longo da "década perdida". Nesse período as reformas estruturais fecharam a economia e o endividamento público também aumentou muito o que levou o país à beira da bancarrota. Na reta final do ajustamento assistido, surgem os chamados riscos de evento, nos quais a Constituição e a interpretação que dela faz o Tribunal Constitucional ocupam um peso que se não verifica nos outros países sob ajustamento. Dei-lhe destaque na intervenção oral não só por se tratar de uma fonte inusitada de incerteza para um programa de ajustamento económico e financeiro, mas também porque contrasta fortemente com a experiência americana e até alemã que citei na minha comunicação. Outros riscos, como divergências entre os partidos que assinaram o memorando de entendimento, ou oportunidades, como a diversificação geográfica das exportações, constam da comunicação.

Afirma que os juízes estão 'agarrados a uma interpretação muito legalista da Constituição'. Ora em 2011 os juízes deixaram passar um corte médio de 5% nos salários dos funcionários públicos. Em 2012, consideraram que o corte dos subsídios de Natal e férias dos funcionários públicos e dos pensionistas era inconstitucional mas permitiram que não fossem devolvidos, argumentando com a necessidade de redução do défice; em 2013, deixaram passar a alteração dos escalões do IRS e respetiva sobretaxa extraordinária, assim como a Contribuição Extraordinária de Solidariedade e o horário de 40 horas na Função Pública. Nas contas já feitas, concluiu-se que o TC deixou passar mais de 80% do valor das medidas austeritárias que lhe foram submetidas para apreciação. Isso é "uma interpretação muito legalista da Constituição'?

Mantenho essa interpretação que atribuo ainda ao relativo desinteresse dos juízes pela literatura da escolha pública a que aludi nas respostas anteriores, sem prejuízo de alguns deles terem tecido considerações muito lúcidas nos seus votos de vencido. O pior, ainda assim, não é o legalismo em si mas a circunstância de, em virtude da ilógica do sistema constitucional, tal legalismo se tornar amigo da imprevisibilidade. Como escreveu recentemente um doutor em direito pela universidade de Harvard, substituir a regra da maioria parlamentar pela regra da maioria dos juízes devia ser reservado a assuntos em que importa defender minorias em nome de valores fundamentais não fazendo sentido aplicá-lo a assuntos como o ajustamento assistido que foram aceites pela esmagadora maioria dos deputados e são essencialmente executivos.

Diz que os juízes do TC consideram a Constituição mais relevante que o memorando. Preconiza portanto que os juízes que têm por função zelar pela aplicação da Constituição deveriam substitui-la pelo memorando?

Não preconizo nada mais do que ter em conta o perigo iminente da bancarrota e ser menos interventivo no processo legislativo em temas macroeconómicos. Como alguém disse, e gosto de repetir, "fiat constitutione pereat mundus": é legalista mas não é sensato.

Afirma: "o memorando é extremamente defeituoso, todos concordamos". Dadas as sucessivas revisões a que o documento inicial foi submetido, a que memorando se refere, quem são os "todos", e que defeitos são esses?

Falava do memorando negociado pelo governo anterior, designadamente no que toca ás condições iniciais, e considerava a opinião comum dos economistas nacionais e estrangeiros que se interessam pelo assunto, citados nas referências.

Por fim: afirma que o valor das exportações no PIB passou de 28% para 40%. Ora na verdade elas passaram de 29,8% do PIB entre 2009 para -- segundo estimativas -- 40,7% em 2013, mas o seu peso no PIB já tinha crescido de 28,1% em 2005 para 32,5% em 2007, antes de baixarem muito devido à crise internacional em 2008/9. Não considera que: a) as exportações já vinham a crescer de forma acelerada entre 2005 e 2007 (média anual de 6,4%); b) o crescimento das exportações entre 2011 e 2013 (5,3%) é mais lento do que entre 2005 e 2007; c) o salto para 40,7% do PIB no fim de 2013 se deve essencialmente ao facto de o PIB ter caído 6% entre 2011 e 2013 (enquanto cresceu em média 1,5% por ano entre 2005 e 2007)?

Tratava-se de dar uma ideia da abertura da economia ao comércio em bens, serviços e ativos financeiros relativamente a várias geografias, e a comunicação entrava nalgum detalhe sobre a s reformas estruturais dos últimos dois anos que alavancaram o dinamismo empresarial. De novo, a razão da insistência é tratar-se da dimensão crucial do ajustamento depois de uma década sem crescimento e com défices externos da ordem de 10% do PIB (números aproximados), para mais sem poder recorrer à desvalorização cambial dos ajustamentos anteriores.

É possível saber quem o convidou para a conferência?

Os organizadores - que são professores de Economia na Escola de Administração Pública da Universidade. Como consta do programa, é a segunda vez que reúnem académicos de várias outras disciplinas, com destaque para ciência política e história, líderes partidários e jornalistas para debater assuntos europeus. A novidade desta conferência foi a presença de uma dúzia de doutorandos externos à escola com bolsas do Instituto para o Novo Pensamento Económico (INET), um dos quais apresentou parte da tese. Os participantes académicos, entre os quais me incluía, enviaram uma contribuição escrita que resumiram drasticamente no painel com vista a promover a discussão com os participantes, o que foi conseguido.

Foi apresentado na conferência como professor de Economia e ex-ministro das Finanças. Não considerou importante dar a conhecer a sua condição de membro do partido maioritário do Governo?

Embora houvesse políticos eleitos entre os participantes tratava-se de uma conferência académica e fui convidado nessa qualidade.

Não o preocupa que a descrição que faz, para uma plateia de especialistas estrangeiros, do País e das suas instituições afete a respetiva imagem, prejudicando o interesse nacional?

Pelo contrário julgo que dei uma ideia equilibrada do perigo de morrer na praia apesar dos progressos. Havia aliás outros oradores que conheciam Portugal e até residentes mas como referi no início era um grupo muito variado e importava deixar a ideia de riscos específicos, sendo este o maior na minha perspetiva. Olhar para a crise da zona do euro desligada da economia mundial incluindo os mercados emergentes era aliás outro risco que apontei na minha comunicação e ao qual aludi nos debates.

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